Acordei
cum sorriso nos beiços. Fora só um sonho. As persoas apareciam e desapareciam,
relacionavam-se, falavam e se tocavam, sempre dumha maneira relaxada, natural.
Ninguém perguntava polas cores do cor, nem esculcava nas raízes da ponla que
verdeciam. Todas esqueciam, consoante quem lhes dixera algo desaparecia. Nom
havia carnets, nom havia tendências, nom havia espaços pra surfistas nem pra
comunistas, a terra era una.
Acordei
cum sorriso nos beiços. Fora só um sonho. Aló nom havia faixas de trânsito,
pois todas as persoas circulavam amodinho. Nom havia telefones, nom havia
trebelhos nem youtube. Haver nom havia nem bibliotecas, porque afinal, quem era
que ali ia ler um livro?
As
persoas falavam, quando falavam, em línguas diversas, mas nom havia gramáticas,
nom havia ortografias, pra além da sintaxe das cores, a dos ares, a dos
paxaros. Cada quem tinha a sua língua.
Acordei
cum sorriso nos beiços. Ele-fora só um sonho, mas que sonho! As persoas
semelhavam escoitar, mais ca falar. Num recuncho albisquei um velhinho a olhar pràs
estrelas — era noite — e à volta dele um rebúmbio de cativos a olharem tamém com
ele. A luz das estrelas parecia debuxar um sorriso nos beiços de cada um deles.
E ninguém falava.
Noutro
recuncho, este já su-la luz podente do dia, umha mulher, com pintas de poetisa
(pucha descaída, colgarexos e tatuaxes na pele) parecia querer declamar como
umha poesia, mas nom conseguia mais ca exalar saudades sem sons, suspiros. E
todos à volta dela pareciam segui-los invisíveis, coa olhada morrinhenta. Ai.
Acordei
cum sorriso nos beiços, e decatei-me de que nom tinha língua, nom tinha
gramáticas, ortografia. Só pulmons e boca pra inspirar e expirar, e saudades.
No meu sonho as persoas falavam-se sem medo, olhavam-se nos olhos profundamente,
um hominho eu vim ali a passear cum outro home, de maos dadas, que o guiava no
entre lusco e fusco, e lhe dizia «cuidado, nom vás cair» e despois se perdiam
na escuridom mais funda do sonho. Num outro recuncho albisquei umha rapariga,
umha belida rapariga como deve ser, cos braços nus, cabelos longos e pretos,
encaracolados, a olhar prò parrafeio dum rapaz, que parolava como que umha fala
escorregadia, sem palavras, apenas ondas e vagas de degoiro e cantiga. E um
outro rapaz se aproximava deles, cumha pucha dessas dos operários dos tempos de
branco-e-pretos. E bicava a rapariga nos beiços, e apertava o rapaz sem língua
própria, e a rapariga tamém o bicava.
E
naquele sonho de que falo, havia persoas sem número a olharem pra um solpôr,
todas arrecadadas coma que num anfiteatro grego, e de quando em vez se olhavam antre si, e sorriam. E ninguém falava, porque nom havia outra língua ca a do
solpôr, e a da irmandade humana.
Acordei
cum sorriso nos beiços, e cuidei que nom acordara. E nom conseguia lembrar
nengumha palavra, nem sequer aquela com que os outros homes me chamavam. E a
raiola do sol xurdiu dumha frincha da fiestra, e alumiou-me a faciana. Entom
conseguim lembrar algumhas palavras, e desejei esquencê-las.