Saturday 11 February 2017

VENDÉROM O POVO, MEUS AMIGOS

Vendérom o povo, meus amigos
vendérom os nossos ideais
e vendérom-nos barato, meus amados

Umha paz imposta pola força
nom há vingar
e há faguer xurdir o ódio, já veredes

Eu, caminhando nele, no deserto
caminhando no inverno
o deserto
dou-no enxergado
meus amados

Beilando antre o fogo
beilando no lume

Vendérom o povo, meus amigos
Vendérom os humanos, meus amados

Tuesday 7 February 2017

SÓ UM SONHO

Acordei cum sorriso nos beiços. Fora só um sonho. As persoas apareciam e desapareciam, relacionavam-se, falavam e se tocavam, sempre dumha maneira relaxada, natural. Ninguém perguntava polas cores do cor, nem esculcava nas raízes da ponla que verdeciam. Todas esqueciam, consoante quem lhes dixera algo desaparecia. Nom havia carnets, nom havia tendências, nom havia espaços pra surfistas nem pra comunistas, a terra era una.

Acordei cum sorriso nos beiços. Fora só um sonho. Aló nom havia faixas de trânsito, pois todas as persoas circulavam amodinho. Nom havia telefones, nom havia trebelhos nem youtube. Haver nom havia nem bibliotecas, porque afinal, quem era que ali ia ler um livro?

As persoas falavam, quando falavam, em línguas diversas, mas nom havia gramáticas, nom havia ortografias, pra além da sintaxe das cores, a dos ares, a dos paxaros. Cada quem tinha a sua língua.

Acordei cum sorriso nos beiços. Ele-fora só um sonho, mas que sonho! As persoas semelhavam escoitar, mais ca falar. Num recuncho albisquei um velhinho a olhar pràs estrelas — era noite — e à volta dele um rebúmbio de cativos a olharem tamém com ele. A luz das estrelas parecia debuxar um sorriso nos beiços de cada um deles. E ninguém falava.

Noutro recuncho, este já su-la luz podente do dia, umha mulher, com pintas de poetisa (pucha descaída, colgarexos e tatuaxes na pele) parecia querer declamar como umha poesia, mas nom conseguia mais ca exalar saudades sem sons, suspiros. E todos à volta dela pareciam segui-los invisíveis, coa olhada morrinhenta. Ai.

Acordei cum sorriso nos beiços, e decatei-me de que nom tinha língua, nom tinha gramáticas, ortografia. Só pulmons e boca pra inspirar e expirar, e saudades. No meu sonho as persoas falavam-se sem medo, olhavam-se nos olhos profundamente, um hominho eu vim ali a passear cum outro home, de maos dadas, que o guiava no entre lusco e fusco, e lhe dizia «cuidado, nom vás cair» e despois se perdiam na escuridom mais funda do sonho. Num outro recuncho albisquei umha rapariga, umha belida rapariga como deve ser, cos braços nus, cabelos longos e pretos, encaracolados, a olhar prò parrafeio dum rapaz, que parolava como que umha fala escorregadia, sem palavras, apenas ondas e vagas de degoiro e cantiga. E um outro rapaz se aproximava deles, cumha pucha dessas dos operários dos tempos de branco-e-pretos. E bicava a rapariga nos beiços, e apertava o rapaz sem língua própria, e a rapariga tamém o bicava.

E naquele sonho de que falo, havia persoas sem número a olharem pra um solpôr, todas arrecadadas coma que num anfiteatro grego, e de quando em vez se olhavam antre si, e sorriam. E ninguém falava, porque nom havia outra língua ca a do solpôr, e a da irmandade humana.

Acordei cum sorriso nos beiços, e cuidei que nom acordara. E nom conseguia lembrar nengumha palavra, nem sequer aquela com que os outros homes me chamavam. E a raiola do sol xurdiu dumha frincha da fiestra, e alumiou-me a faciana. Entom conseguim lembrar algumhas palavras, e desejei esquencê-las.