Monday 31 October 2016

SEGUNDA FEIRA

E ao séptimo dia Deus decidiu parar, e espreitar toda a obra que tinha feito. Mas sendo um ser tam omnipotente e bulebule como era (fixera o universo inteiro, afora o home, em apenas seis dias) nom conseguiu descansar muito, porque a mente nom lhe parava de fervilhar. Alô sentado no seu alto trono, questionava-se sobre a qualidade e pertinência da sua criaçom. De modo que, contra o final do dia, o sétimo da Criaçom, entrárom-lhe dúvidas e receios, amais dumha considerável enxaqueca. Ele-essas baleias e peixes grandes do mar, nom acabariam por dar cabo de tódolos peixes pequenos? E a relva verde, ele-nom poderia acabar por secar? E se a luz vinhese a se apagar, por qualquer falha imprevista nos circuitos moleculares, aliás atómicos? 

Aquela noite Deus foi deitar-se bastante deprimido, por nom saber donde lhe vinham todas essas dúvidas e incertezas. Mas ao dia seguinte, segunda feira por sinal, decidiu dar cabo de todos os seus medos, e pôr-se maos à obra: e Deus criou o home. E criou-no à sua imagem e semelhança ...





Tuesday 18 October 2016

QUANTAS SABEDES AMAR (Conto galego)

No planeta Arrakis, ao abeiro dumha espenuca (nesse planeta costuma haver acotio tempestades de muito nabo) atopam-se com Gurney Hallek (o famoso trovador caladano) cinco outros trovadores:

Um deles é inglês.
Outro é francês.
Um outro é italiano.
Mais um outro é espanhol.
E o derradeiro é português.

Assi que o Gurney começa a tocar no seu baliset de nove cordas, ocorre-lhe umha pergunta de tipo histórico-linguística. Diz assi (traduço ao galego, pra facilitar a compreensom):
«Alô longe, mui longe, há um planeta, azul e nom coma o nosso, cheio de auga que nem o próprio Caladan, em que havia milheiros de trovadores. O derradeiro e mais milhor de todos eles chamava-se Bob Dylan, que escrevera cousas sublimes coma «estava eu a navegar na Frol de Maio quando cuidei albiscar terra». Mas antes dele houvo muitos outros. A pergunta-desafio do milhom de doses de melanxe, é a seguinte»:

«Quem dentre vós é quem (dentre vós) de declamar o mais antigo e belido poema-cantiga da vossa língua, mas que seja tam comprensível, pra vós, quanto belido e antigo?»


O francês salta de contado, já se sabe como som patriotas os dessa naçom, mas como nom sabia nada de francês antigo que fosse compreensível pra ele mesmo, ficou-se por um verso de Ronsard («Ah longues nuicts d'hyver de ma vie bourrelles, Donnez moy patience, et me laissez dormir» ) e que de resto nom vinha a calhar numha noite de tempestade de areia em Arrakis (onde os ventos som tam fortes que é sabido vos podem arrincar coma coitelos a carne dos ossos).

O inglês, mais comedido, acha que o seu tempo é chegado: «ele-eu tamém tenho algo pra recitar» («I will, if I may», dito na sua fala) e começa a recitar qualquer cousa do Guilherme Xaquespeira, tipo, «I like this place and willingly could waste my time in it» (E isto até o português o entendeu.)

«Moi bem», dixo o Gurney, «tam antigo coma o francês, e ainda nom menos belido e considerado» (e aí os protestos do trovador francês de que o idioma inglês provinha do francês nom recebérom muita atençom).

Toca ao italiano:

«Nel mezzo del cammin di nostra vita
mi ritrovai per una selva oscura
ché la diritta via era smarrita. »

«Bom, se quadra nom som os versos mais belidos que já ouvimos, — retrucou o Gurney — mas som mais antigos e venhem bem a calhar nesta cova de refúgio em que nos achamos ... »


O turno é agora pró espanhol, que consulta no seu iPhone 7 Plus e recita o seguinte:

«De los sos oios tan fuertemientre llorando,
Tornava la cabeça e estávalos catando»

E aí que o português se ergue de súpeto, e protesta: «isso não é bonito, pá, e de resto é português!». O espanhol nom parece fazer muito caso, porque anda mui ocupado no seu iPhone 7 Plus, a pescudar tradutores automáticos ou dicionários on-line que lhe ajudem co significado desse poema, que decerto lhe escapa ...

Gurney, matinando e afinando no seu baliset, diz, «mmmh, nom sei, nom sei ... » incerto ele tamém do significado da velha cantiga espanhola ou portuguesa ...

Entretanto, o português era o único que faltava por declamar. E como os portugueses som, como sabemos, mui aleutos e espilidos (=espertos), o nosso português de Arrakis pega no seu velho magalhães (este era um exemplar raro que ainda funcionava) e fai umha pescuda internética por algumha velha cantiga galega. E saiu com esta:

«Quantas sabedes amar amigo, quantas sabedes amar amado, treides comigo ao mar de Vigo, e banharnos-emos nas ondas, etc».


O trovador dos Atreides (que era poliglota, amais de trovador), fica estantio perante a beleza e singeleza desses versos supostamente portugueses, que portugueses eram pois que o português os entendia, e eles eram os mais antigos de todos os que já ouviram naquela espelunca, e nesse mesmo intre, coma por obra dum milagre, os seus olhos se acendérom dumha faiscante luz azul ...




Wednesday 31 August 2016

A CRIAÇOM

No primeiro dia Deus ergueu-se, emborcando-se da cama. Ergueu-se e abriu os cortinados. Achando umha mourém desconhecida, estalou os dedos, e umha estrela imensa apareceu a xurdir nos horizontes (previamente Deus tinha feito os horizontes, e os cortinados, e a cama). No segundo dia, Deus, encaminhou-se prà cozinha, aqueceu um café e bebeu-no. E o café era quente; e bom. A seguir, Deus foi pra um lugar iluminado, e dixo, «haja livros». E livros, imensos livros, aparecêrom em imensas prateleiras. Mas eles estavam cheios de folhas vazias, e nom prestárom a Deus. Esse foi o terceiro dia (nom o milhor que Deus já tivo).

Dixo entom Deus, haja letras, letras em diversos e variegados formatos, mesmo cores, a formarem palavras, palavras em falas variegadas e ricas, que contem cousas antigas e inventadas, pensamentos dos mais ridículos aos mais singelos, e todas essas palavras ateiguem os livros todos que eu aqui tenho. E foi esse o quarto dia de Deus (claramente melhor ca o terceiro).

Viu entom Deus que a estrela imensa que xurdira polos horizontes, no primeiro dia, tinha já rubido um algo por riba deles, e vendo que eles eram azuis, decidiu chamá-los céus, por falta de outro nome mais ajeitado. E contra o final do quarto dia, Deus já tinha lido tódolos livros que jamais fôram escritos.

No quinto dia, que é o que sempre segue ao quarto, Deus decidiu ir à casa de banho, e sentar a profundar os seus pensamentos na sanita. Alô sentado argalhou muitas cousas, mormente todas as referentes aos seres humanos, que eram os únicos seres capazes de ler os seus pensamentos em tódalas línguas existentes.

Ao sexto dia Deus turrou da descarga, e viu que aquelas augas em correntes autoclísmicas eram boas, pois levavam consigo toda a merda que ele tivêra criado nos cinco dias anteriores.


Chegou entom o séptimo dia, que era quando a estrela imensa dos céus estava no mais álgido deles. E Deus decidiu descansar, pra contemplar tudo o que tinha feito nos seis dias precedentes, sob a estrela imensa que ele criara dum estalo dos seus dedos. E viu Deus que o que tinha feito nom tinha valor nengum, e que tudo estava por faguer. E pensou, «ainda bem». «Fagamos-nos na nossa própria imagem e semelhança, entalado num ser de carne e espírito, feble, fraquinho, que seja quem de dividir o tempo em partes infinitas, e de fazer dum simples respiro umha eternidade. Desfrutemos do contato da auga dumha bilha a cair num pano de cozinha, dumha pegada nua nas areias dumha praia, do ar a nos remexer nos cabelos. Do mar, do mar.» E viu Deus que, afinal, nom era tam ruim ...

Saturday 27 August 2016

Wednesday 13 July 2016

BRÊTEMAS, ALGAS CELTIGAS


Acordei à flor da iauga
no meio dum arquipélago de sons
a enxergar os ilheus, os cons
desbotados nũa nuvem branca

embalado ao sabor das ondas
sem medo a afundar
resolvim mergulhar
ir quanda o profundo
e atingir as mais verdes algas

o salgado e o mesto mais escuro
foi-me embrulhando, devagar
e sem eu me decatar
conseguim respirar aquelas augas

des aquela o ar tornou-se-me estranho
nom o consigo mais respirar
e só gosto das augas marinhas e mestas
profundas
do fundo do arquipélago do meu sonho
onde as brêtemas som como as algas
líquidas, celtigas 




Tuesday 28 June 2016

O MEU ESPÍRITO




Esquece a dor e tódolos nossos jogos e trebelhos
esquece o desacougo e mai-la vergonha
eu já nom quero mais
as cancelas do inferno estám à espera
deixa-as esperar ainda mais um chisquinho
Pr’onde, pr’onde quer que eu for
o meu espírito é ceivo, eu marcho prà casa
Pr’onde, pr’onde quer que eu for
lembra-te de mim, pro deixa-me marchar

Sem remorsos eu deito-me encol da minha culpa
a fé, o ódio é-che a mesma cousa
tanto che me tem
os portões do inferno estám  à espera
deixa que esperem mais um chisquinho

Pr’onde, pr’onde quer que eu for
o meu espírito é ceivo, eu marcho prà casa
pr’onde, pr’onde quer que eu for
lembra-te, pro deixa-me marchar

Sem remorsos eu abandono a culpa
O destino e mai-lo ódio som-vos ũa mesma cousa
As cancelas do inferno por nós estám à espera
Deixa que esperem

Onde quer que eu for
o meu espírito é ceivo
Eu volto prà casa
conserva o meu recordo
mas deixa-me ir embora

Onde, onde eu for
o meu espírito é ceivo, eu já volto prà casa
onde quer que eu for
lembra-me
lembra-te de mim
lembra, pro deixa-me marchar

ESTOU A SENTIR COMO SE ESTIVESSE A VOAR
ONDE QUER, ONDE QUER QUE EU FOR
EU SINTO QUE SOM QUEM DE VOAR
ONDE QUER QUE EU FOR ...


Sunday 3 April 2016

RENEGADA - CATARINA TREBOADA





Eu som umha renegada
e na pescuda da verdade
hei berrar do alto dos telhados
Haverás me atopar
vadiando aló quanda o Cruzeiro Novo
ou parada e sentada no meu alpendre, descalça
abanando a cabeça
porque já abonda com tantos perdidinhos


Pro tu haverás me reconhecer
porque eu som ti, meu
Nunca é tarde demais
pra ver mais fundo da superfície
Acredita, há muito mais neste trelo
há um mundo além deste mundo
que se enfia raposeiro assi que amoucas
e tódalas tuas margens começam a cholucolear
É verdade
Um mundo que está a respirar
a soerguer os ombros e a chorar
sangrando por feridas abertas
É por isso que eu estou mancada
de gionlhos e a sentir
tudo o que estou a sentir

Já que logo, vem eiqui
dá acô essa mao
porque eu sei como pegar nela
Eu hei escrever a cada um de vós um poema
e a seguir pegar lume em todos eles
Porque eu fico abraiada
de ver como a luz nos teus olhos
semelha os céus brilantes
Meu, eu loitava mesmo pola tua vida
como se fosse a minha

Mas esta noite estou a escrever
tenho eiqui um tarro de vinho
e estou a enrolar charutos
na regueifa comigo mesma
coa gorja inçada
sentada à beira do rio
a ver a Santa Companha
a matinar no que sinto
cada vez que me apertas contra ti

Eu nom som carne, eu som toda energia
eu importo-me co gênio
tanto me tem a fama e as figuras
elas som apenas umha argalhada
pra queimardes

Mas endebém há mais
e eu sinto-o tam cru
a chamar-me pròs tempos dantes
É por isso que eu caminho através das paisagens
é por isso que eu termo dura no maico
até a mao me tremar
mas elas estám mais iluminadas ca os mações, meu

Eu estou eiqui com cara de ferreiro
coa tolémia mesmo ao pé de mim
mas eu nunca pestanejo
eu tenho tinta nas veias
Eu nom me importo coa superfície
importo-me co infinito
Eu esgaravelho um tobo e agocho-me dentro dele
eu me deito no quintal cos espíritos
pedindo perdom aos nossos anciaos
e eles dim-me, “cativa, cada minuto é o minuto pra começar elo
fai-no mais largo”
Mas o que me fai mais forte
tortura-me dum tal jeito ...

Meu,
a cada vez que as estações mudam
eu quedo completamente tomada

Prò caralho! Eu pego no leme
coma no punho dumha espada
eu som nada galega da leira
Eu som a segunda melhor regueifeira
que poucos ouvirom falar dela
A primeira, foi umha argalheira
e eu vou romper no cúmio aginha
Eu som-vos um velho espírito
mas mantenho umha mente nova
porque o Bleico amossou-me
que aqueles que nom se deixárom influir
ficam infinitamente abaixo dele

Portanto, se queres falar
vem procurar-me
Eu hei estar na Carreira do Luisgham
olhando prò abrente a derreter
Repara, eu costumava regueifar com estranhos quanda o trem
eu nom dava pegado em mim
eu tinha-che os miolos a arder
Eu adoitava moinar
cos bêbados nas bancadas da devesa
adoitavamos falar das vidas deles
diziam-me o porque abandonarem as mulheres
Meu, eu invadia os estrados sem convite
o entusiamo me vencia
eu tinha algo que dizer
e nom era quem de o conter
Pro mais tarde aprendim a acougar
e a ser rija e constante
e cada intre mesmo foi contando
e engadindo ao presente
e assi agora eu sem me alporizar acougo
e consulto a essência
e agradeço cada bençom

Pro repara, tudo é tam fisico eiqui
nom sabes, o bêbado na baiuca
enchendo o carrinho
até o mundo sumir ...
E eu deveço por algo sustentável
algo com verdade
algo introcável,
qualquer cousa coma ti, no teu quarto
namentres a choiva cai
e as fiestras estám-che abertas
e ela me borrifa na pele
coma o vento mareiro
Ti pra sempre podes-me amar
mas sem nunca precisar de mim
cagho-em-deola se nom eras ti
quem de me completar

Já que logo, esta é pròs romanticos sem cancelas
é pròs escangalhados, os abouxados
os puros, os cativos, os pedantes
os destemidos, os amoucados
a viverem no bandulho da besta
coas ratazanas e os rançosos
e as canelhas encobertas
e nós a morrermos de fame enquanto eles folgam e pandegam  
mas Banquo há-se erguer  
ele tem umha message pròs culpados
Esta é-vos pròs que trabalham que nem galegos
os sujos, os baldréus
Esta é-vos prà cida’ que me fixo
e que há me derrubar
se eu nom aprender a direito
Eu som lume que brila
numha piscadela de olhos
eu torno o poder em fraqueza
Imós aló entom, força
vem ao bar quanda mim
eu hei erguer a cunca ao céu
e amossar-che que ti és o caralho vintetrês

Escoita, nós nom somos carne
nós somos todo energia
eu importo-me co génio
tanto che-me tem a fama
tanto me tem os louvores
eu importo-me e coa integridade
porque as figuras  as construídes
pra, afinal, lhes queimardes a imagem
E eu estou-me achegando mais e mais
à minha essencia, a cada vegada ...

Renegada

Saturday 5 March 2016

A NOITE



Vagorosa, a noite asulagou-nos
pelerinha errante
inesgotávele, de cote chuçando no serám
rolando-o polo Atlántico em diante
envergonhando as nuvens até fazê-las enrubescer
a noite botou-se, mais uma vez
encol de todos nós

A noite
carregou de chumbo as nossas pálpebras
arrousou-nos por rueiros velhos
labirínticos
lambeu-nos c'o seu bafo húmido e frio
atereceu as nossas entranhas, enegreceu os nossos pensamentos
tal é o seu arnaxe

À noite
eu
acovilhei-me no meu tobo
tremendo de inquedanzas
e ela, sem piedade
descochou-se
e amosou-me
as suas joias

Acorado, o meu folguejo multiplicou-se
com tesom
por dez, por cento, por milheiros
por infinito
na tristura eterna da noite de Alba




Sunday 28 February 2016

VOU PRÀ MATALOTA

Vou prà matalota
vou alô porque é emocionante ...
Espero que compreendas
e nom me largues da mao ...


Tuesday 9 February 2016

CALMA É A IAUGA




EU:
Calma é-la iauga que cativa os meus medos
olhando pra mim a cair coma hũa folha.
Brutal ela foi
embora hũa decisom tam simples ...

Ele-qando haverei ser ceive?


TU:
Podes pechá-los os olhos
pro nom há ilusõs.
Terma dos teus coutos
e olha pró rio a secar


EU:
Agora vejo o sol a sumir
Agora vejo as escolhas que fixeche
Agora sento a voz outa, atrás, a chamare por mim
AGHORA VEJO O SOL